domingo, 8 de setembro de 2024

Muitos não poderão ler isto

 Hoje, 8 de setembro, é celebrado o Dia mundial da alfabetização, uma data que tem importante significado em vários países assim como também no Brasil e aqui no nosso Rio Grande do Norte. Infelizmente, no entanto, seria ideal se esta data passasse totalmente desapercebida como deve acontecer no Canadá, França, Holanda, Japão etc, pelo simples fato de que praticamente toda a população destes países deve estar alfabetizada, e não apenas naquele mínimo necessário, o tal do “analfabeto funcional” que sabe apenas ler e assinar seu próprio nome. Nestes países a educação funciona desde a primeira idade e as oportunidades nas escolas (e depois no ensino superior) são reais, factíveis e absolutamente acessíveis a todos. Aliás, não se imagina em alguns países que uma criança esteja fora da escola e que não tenha acesso à alfabetização.

 

Aqui no Brasil (e em uma centena de países, muito provavelmente) a realidade é diferente. Não chega a ser crônica como, por exemplo, no Afeganistão em que as crises sociais, econômicas e políticas afastam e impede o acesso à escola. Mas, temos nossos problemas, e como temos.

 

Os mais antigos poderão lembrar do tal do Mobral, uma tentativa do Governo Federal, ainda no século passado, de permitir o acesso à educação e à alfabetização para milhões de brasileiros que não tiveram a oportunidade de ler-e-escrever e de estudar pelo simples fato de que, ainda que desejassem e ainda que economicamente isto fosse possível, não havia escolas por perto, não havia sequer a possibilidade de escolha. Faz tempo, o Mobral, e ficou muito tempo na memória do brasileiro que até utilizava a sigla do programa educacional de forma pejorativa, quando queria brincar (ou ofender) alguém que não estava entendo algum assunto: “parecer até que é Mobral!”

 

Saímos disto, melhoramos muito, sensivelmente. Uma grande evolução foi a criação do Brasil Escola (acho nome era este) e que hoje é o Bolsa Família. A proibição de crianças no trabalho, em detrimento de ir a escola, foi fortalecida não somente com as tentativas de punição mas com um remédio bem mais eficiente: o chamado trabalho infantil, para famílias carentes, era uma forma de subsistência familiar, quase (infelizmente) uma necessidade, pois contribuía com a renda; com o auxílio financeiro do poder público a família podia “trocar” o trabalho dos filhos pelo acesso à escola e ainda com a vantagem de ter a merenda escolar. Felizmente esta dura realidade das crianças trabalhando, ainda que por extrema necessidade familiar, acabou. Vale um parêntesis aqui: este trabalho infantil familiar, como subsistência, não é uma característica tipicamente brasileira, o mundo mais rico de hoje em dia passou muito por isto na agricultura, não era incomum acontecer em países como Alemanha ou França; a diferença é que este ciclo nefasto foi interrompido bem mais cedo por lá, bem antes do Brasil.

 

Embora o Mobral esteja longe no tempo, semana passada aqui em Natal, em pleno 2024, tivemos um reflexo do drama social brasileiro: uma candidata a vereadora teve que provar que era alfabetizada, que sabia sim ler e escrever para poder ser candidata. Precisamos entender melhor este drama. O programa Mobral acabou em 1985, ou seja, faz mais de 40 anos que tivemos um programa de alfabetização de adultos e ainda hoje temos pessoas no Brasil e aqui, do nosso lado, no Rio Grande do Norte que não sabe nem ler, nem escrever. Enquanto boa parte da população não desgruda do celular, lendo um pouco sobre muita coisa, ainda temos analfabetos para os quais o celular é algo meramente limitado ao som e imagens.

 

É uma triste realidade. Até quando? Até quando como está no título, “Muitos não poderão ler isto”? Quando será que o Dia mundial da alfabetização será apenas uma data no calendário, uma memória do passado longe, e não a memória de uma realidade que machuca?

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