Todos os dias uma cena se repete na entrada do aeroporto em São Gonçalo do Amarante: uma centena (ou duas?) de veículos fica parado na entrada do acesso, antes da entrada oficial (e da cobrança), espalhados entre canteiro central e as duas laterais da pista, no sentido entrada como no de saída do aeroporto. É uma cena que acho constrangedora, de ver ali muitos carros parados por longos minutos a fio. São todos motoristas-Uber ou motoristas-99, empreendedores autônomos que decidiram alinhar um extra no orçamento ou que decidiram ter como profissão a de motoristas de veículos particulares de aluguel, como é uma das definições técnica da profissão.
É bem ali na entrada da “suíça potiguar”, aquele espaço que fica no município de São Gonçalo do Amarante mas que é administrado pela empresa suíça, a Zurich Airport, grupo empresarial que comprou os direitos de gerenciar o aeroporto depois da desistência-prejuízo da argentina Inframerica.
Nesta fronteira entre São Gonçalo do Amarante e o Airport Natal, como a Zurich batizou o lugar, em uma área que não é de ninguém, é que ocorre um silencioso conflito, social. De um lado a administradora, empresa com bom patrimônio e excelente capacidade de obter dinheiro e do outro lado centena de pessoas que diariamente tentam conseguir um mínimo necessário para pagar o combustível, o financiamento ou aluguel do carro, e o que sobrar que se transforma em renda pessoal ou familiar. E se a gente comparar em termos de recursos, o contraste suíço com a realidade local é ainda mais gritante: de um lado um empresa que acaba de receber confirmação de milhões de reais em financiamento do BNDES para expansão de suas atividades e de outro lado alguns motoristas que trabalham intensamente e o dia inteiro para ter uma receita mensal bruta de R$ 5, 10 ou até mesmo 12 mil. O contraste é grande.
E há conflito? Não do ponto de vista do embate político, mas das realidades bem distintas de um em frente ao outro e com uma curiosidade adicional: na parte interna, ali do aeroporto, não falta espaço para acomodar todos os carros de forma estruturada.
Mas claro, não é este apenas o conflito: os dois espaços, de dentro e de fora, são públicos, de um lado a concessão do aeroporto e do outro a via pública. Quem está dentro tem toda uma estrutura e quem está de fora não tem nada, a não ser alguma sombra de poucas árvores que ali existem. E nada de banheiro, nada de água, nada de, na verdade, nada.
Faltou, talvez, sensibilidade na hora de fazer o novo edital de concessão e exigir que a empresa vencedora montasse uma estrutura ou minimamente um espaço para os motoristas autônomos, assim como há para os taxistas com seu estacionamento privado logo na área do desembarque e podendo usufruir do conforto do terminal aeroportuário.
E, quem sabe, a solução deste conflito social poderia ser
uma ação da própria Zurich? Bem que ela poderia criar um novo espaço para eles,
com alguma estrutura básica de atendimento, minimamente uma área coberta e
banheiros. Esta seria uma ação bastante positiva da empresa, seria uma boa
ação. E como estamos em período natalino, nada melhor do que anunciar esta boa
ação; as crianças (filhos dos motoristas) agradeceriam e os adultos saberiam
reconhecer o espírito natalino suíço, e nada a ver com o frio do inverno de lá,
mas tudo a ver com o calor de uma ação movida não pelo bolso ou resultado
contábil, mas apenas e simplesmente pelo coração.
Um comentário:
Mas os taxistas pagam uma taxa meio salgada para terem acesso a essa estrutura e serem cadastrados no aeroporto, não? Infelizmente, as concessionárias de aeroporto no Brasil tem se dedicado mais a espremer seus stakeholders do que a aumentar sua lucratividade pela expansão dos negócios.
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